Quarta-feira. Meio da semana. O tempo quase parado. A última hora demorou três para passar. Contas, muitas contas. Aluguel, luz, gás, tudo acumulado na mesinha de canto. Mas o problema aqui é outro. Aqui eu venho para trabalhar e ganhar o dinheiro para pagar os atrasados. O relógio tiquetaca em algum lugar distante, segundo a segundo. O barulho da rua é infernal. Aqui nem parece o décimo andar, muito menos que as janelas tem quase uma polegada de vidro. Minha cabeça explode. Pela janela, a passeata comprova o que eu já imaginava: dia útil, hoje, é só pra mim.
A matricial começa a guinchar estridentemente. Quase posso prever o que ela cospirá após sua ópera maldita, tantos são os anos de convivência. Ali, lado a lado, coladinhos, ela quase em cima de mim, eu sempre desfazendo os seus erros e ouvindo seus gritos. O relógio parece parar. Não, por pouco perdi um segundo. Já não tiquetaca mais, agora é um bumbo lento e grave. O ar é escasso mas não há ninguém na sala. Quem poderá ter enviado a impressão? Talvez do andar de cima, na cobrança. Mas pelo som, acho que é um relatório de arquivamento de balancetes. Mês onze, isso, mês onze. Vinte e sete páginas. Pela minha contagem, mais de três mil linhas. A cabeça explode a cada segundo, cada bumbada, cada linha. A passeata comprova que estou no meu limite.
A matricial dá seu último guincho antes de ser arremessada pela janela, fazendo um lindo balé de formulário contínuo, até cair em um carro, na calçada. Espatifada, muda, calma. Dorme em paz, cada pedaço em um canto da rua. A passeata não dá a mínima. Volto à minha mesa. Sento, respiro. Só então percebo que não há nenhum relógio na sala.
E que o carro é meu.
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
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